Quinta-feira, 8 de Janeiro de 2009

Chiclet

Mais um texto que escrevi para uma jornal local, há uns tempos atrás, quando tinha tempo livre...

 

 

Chiclet, mastiga  deita fora

 

“A Sociedade do consumo aprende a dominar” (Claude  Boudet). Esta frase refere-se ao  modelo de sociedade actual, em que a economia de mercado procura rentabilizar da melhor forma a produção de bens, obtendo o máximo lucro possível. Surgiu o Marketing, fazendo-se estudos de mercado, estudam-se os hábitos e preferências dos consumidores.

           " A sociedade de consumo aprende a reduzir ou derivar as grandes motivações do homem, tornando-as em alavancas económicas". O estudo da Psicologia ajuda as grandes empresas e a sua estratégia de venda a perceber o que é que realmente os consumidores (pessoas comuns) gostam, ou gostariam nos seus sonhos, no seu subconsciente. Um exemplo: porque é que na publicidade a um automóvel, aparece muitas vezes ao seu lado uma bela rapariga? Estará à venda a rapariga? Não, mas mexe com o subconsciente de cada um, com certeza. É apenas um exemplo. E a melhor publicidade é aquela  que nos influencia sem sequer nos apercebermos disso. Uma imagem vale por mil palavras e muitas vezes a nossa retina consegue reter fragmentos de informação que, embora não tenha uma relação directa e objectiva com um pretexto, penetra profundamente nos meandros do nosso, ainda  um pouco desconhecido e misterioso, subconsciente.

            Muitas vezes somos então levados a consumir o mais vil, supérfluo, inócuo, porque foi alimentada uma fantasia de momento. Criou-se assim uma necessidade que o homem - consumidor  se sente impelido a comprar. O consumo tende então a reconduzir a ele todos os outros instintos, como a um modelo comercialmente perfeito.

            A televisão, essa “ caixinha mágica” é um importante  veículo transmissor  de sugestões, ideias, valores, modas passageiras, estilos. Podia até ter um importante papel na educação de crianças, jovens e adultos. Mas, sendo realistas, toda a “máquina “ funciona com um  “combustível” que neste caso é o dinheiro. Dinheiro que vem da publicidade, claro.

            A publicidade às respectivas marcas  é feita de forma  cada vez mais engenhosa, subtil, explorando as fraquezas humanas. E de certa forma vem ao encontro de uma sociedade que tem perdido os seus pontos de referência. Os próprios programas de televisão, sobretudo dos canais privados, e porque têm de sobreviver com a guerra de audiências, tornaram-se cada vez mais bárbaros, violentos, impróprios, pouco educativos, de baixo nível. Mas, não é isso que  se quer (sangue)?  Começamos com um “Big Brother”. O que explora este programa? A privacidade, o comportamento de pessoas normais, 24 horas por dia. Interessante achei a uma frase de Miguel Esteves Cardoso acerca do mesmo programa: “Bate a Odisseia e a BBC Vida Selvagem, no que se refere a programas   em que se observa o Comportamento Animal”. E não é verdade que os animais lutam pelo seu espaço, mantêm relações de liderança  ou submissão, acasalam, brincam, “reinam” (...). No caso em questão ainda diziam uns palavrões pelo meio, houve até cenas de violência, conscuvilhices , luta pela liderança no grupo. Havia até um tal de Zé Maria que levava “sova” de todos mas que depois passou a ser o “coitadinho”, tornando-se herói nacional!

            O escândalo é servido em capas de revista, o “mal dizer” das figura públicas sustenta a “Ana”, a “Maria”, A”Lux”, a “Caras” e muitas outras. O Sensacionalismo é exacerbado.

            O que aprendem os jovens e crianças com a sociedade que devia ser um exemplo? Um aluno que acabe de completar o 9º ano deveria sair da escola com o perfil de cidadão educado para viver em sociedade. A escola é talvez  o melhor instrumento de socialização e de desenvolvimento das capacidade, competências de atitudes dos alunos. No entanto, outros intervenientes culturais exteriores à escola interferem na educação dos “Teenagers”. Para estes,  vestir uma calças, uma T- shirt de marca é sinónimo de ascensão social, de pertencer a um determinado grupo de amigos, de popularidade. Consumir drogas leves começa a ser banal nas escolas (e toda a gente sabe, talvez menos os próprios pais dos alunos). Ninguém passa sem o seu telemóvel, e com a sua chiclet, que mastiga e deita fora, não tendo espaço na sua cabeça para ler um livro (é “chunga”, cansa, dá trabalho, enfim). As Playstations, Consolas e jogos de Computador, preenchem todo o seu imaginário. Os pais, será que conversam com os filhos? Sabem se está tudo bem com eles?   Não se conversa, pois ou se está a ver televisão, ou  falhou a luz (e isso é uma verdadeira tragégia!).

            Não admira pois que o aluno seja mal educado, tenha carências afectivas, não se esforce para ter bons resultados. A sociedade é competitiva, mas a “melodia” que se ouve nos “mass média” é suave, convida-nos, persuade-nos. A imagem que nos dá é a de que não custa nada fazer um crédito à habitação, comprar um automóvel, pagar a prestação de electrodomésticos. Afinal de contas, é tão fácil ter sucesso, que não é preciso saber cantar para ser uma estrela (veja-se as Girl e Boysbands), pode-se ganhar uma fortuna num programa de sorte qualquer, ou mesmo ser jogador de futebol profissional...

            Infelizmente, por falar em futebol, a imagem que ficou da nossa selecção é a de um país Em Vias de Desenvolvimento, aliás, cada vez menos evoluído em atitude, carácter, reflexo dos valores que recebeu (valores que colocam o dinheiro como bem supremo, jogando sem amor à camisola, por exemplo). A sociedade consumista perverte os fracos e enfraquece os fortes. Mas, embora a economia mova o mundo, a dicotomia materialismo/espiritualismo há – de estar sempre presente, e, tal como na obra “D. Quixote de La Mancha”, pode-se concluir que prevalece na  actualidade o materialismo, embora , como um castelo de cartas, a grande “torre” construída sob a pedra de consumo imediato poderá vir a desmoronar-se.  Aí será necessário, definitivamente “apertar o cinto”, bem entendido. A “Chiclet” que se mastiga e deita fora, poderá aí ser considerada  desnecessária (isto porque não haverá publicidade à mesma, claro).

Paulo Cerqueira

 

 

publicado por cerqueira-paulo às 15:20
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